Saí numa noite fria de ônibus da Rodoviária de São Paulo rumo a fronteira do Brasil com a Bolívia. Cheguei em Corumba e peguei um táxi em direção a Quijaro, onde ficava o ponto de partida do Trem da Morte, rumo a Santa Cruz de la Sierra.
O Trem da Morte estava três horas atrasado e partiria a qualquer momento. Poucos minutos se passaram entre a chegada à estação e o meu embarque, apenas o suficiente para que fosse dada imediatamente a partida.
O trem começava a se mover quando subi no vagão 1.554, depois de me desvencilhar de dúzias de ambulantes. O assento era o de número um. Ao constatar isso no bilhete, achei ótimo, mas quando entrei senti a “roubada”.
Esta era a única poltrona que ficava de frente para as demais. Eu parecia uma professorinha em ônibus escolar. A partir desse momento, seriam 21 horas de viagem e começaria a realização do meu primeiro “sonho”: andar no Trem da Morte.
Internamente, o vagão não era em nada melhor do que a estação. Na verdade, era uma loucura. Borboletas voavam para lá e para cá escoltadas por mariposas gigantes, que lembravam morcegos, em especial pelo hábito de dar vôos rasantes sobre as pessoas. Havia comida espalhada pelo chão, com jeito de velha, e um cheiro muito forte de suor.
O Trem da Morte era o trem do próprio inferno. Ao embarcar, encontrara uma realidade tão distante, que o ponto de partida pareceu-me estar a quilômetros imaginários. Os passageiros davam a nítida impressão de estarem há bastante tempo sem banho. Causava-me um certo desconforto o jeito estranho como me olhavam.
Assim que me sentei e consegui acomodar a bagagem, reparei que havia uma família inteira me observando enigmática. Encaravam-me sem trégua. Depois de algum tempo, a mulher enfiou os dentes num enorme pedaço de frango com farofa. Enquanto mastigava de boca aberta, dava para suas crianças um suco de cor esquisita. Uma lata de tinta enferrujada servia de copo.
As pessoas falavam alto e apressadamente quando o trem partiu. A certa altura, apareceu um fiscal pedindo o visto. Disse-lhe que estava sem ele, mas que o pegaria na cidade seguinte ou ali mesmo. Entreguei-lhe, então, o passaporte. Logo, falou:
Anoitecia e estava muito cansado. Para não correr riscos desnecessários de roubarem minha bagagem enquanto dormia, amarrei-a no pé da poltrona com uma corrente que costumo levar comigo. Percebi a decepção de alguns gatunos, que esperavam um descuido para fazerem a festa.
Em Puerto Suárez, o trem deu uma pequena ”parada”. Na verdade, ele nunca parava por completo; apenas diminuía bastante a marcha próximo aos povoados. As pessoas iam saltando, como leite derramando no fogão. Alguns desembarques eram desastrosos. Sempre havia os que tropeçavam nas próprias pernas, nas galinhas ou nos sacos jogados no corredor. Mesmo com o trem em movimento, os vendedores ambulantes continuavam a oferecer seus produtos:
Era sábado à noite. Poderia estar em São Paulo dançando com os amigos, tomando um chopinho ou saindo para jantar. Em vez disso, estava na poltrona um do Trem da Morte, sozinho, e cercado de bandidos de verdade. Obedecia a um chamado do destino.
O trem seguia seu ritmo vagaroso ao longo dos trilhos barulhentos. A cada curva, um monte de sacos caía violentamente das divisórias destinadas às bagagens. O barulho seco da queda assemelhava-se ao de gente sendo derrubada. Uma galinha passeava livre pelo vagão, acompanhada de seus pintinhos, como se estivesse à vontade num galinheiro (o que não estava muito longe da realidade, considerando-se a sujeira no chão).
Decidi combater o medo e enfrentar a situação. Coloquei um lenço vermelho na cabeça, deixei meu canivete na mão e à mostra, e puxei de dentro da mochila uma corrente, para qualquer eventualidade. Minha aventura havia começado.
De repente, uma ventania terrível varreu o vagão. Uma das janelas estava aberta, e as coisas começaram a voar para lá e para cá. Depois de algum esforço, alguém conseguiu fechá-la. Logo, uma forte tempestade caiu, obrigando o trem a reduzir a velocidade para cerca de quarenta quilômetros por hora.
A cada estação, mais vendedores. Ficava atento, pois, durante estas “paradas”, renovava-se o perigo de ter a bagagem roubada ou perder o lugar para sentar. Com o tempo, passei a observar em detalhes as pessoas ao meu redor. Descobri entre elas duas prostitutas e um estudante brasileiros. Ouvi dois homens começarem a estudar a fuga de um terceiro da prisão, enquanto nos aproximávamos de San José.
O trem balançava como se tivesse molas, feito um navio em dias de mar agitado. Embora a todo momento desse a impressão de que sairia dos trilhos, como num milagre prosseguia incansável ferrovia acima. Milhares de pernilongos me atormentavam e uma gritaria ensandecida de crianças vinha de outros vagões. Comecei a olhar feio para todo mundo, com espírito de guerra, porque a noite prometia ser terrível. Estava muito cansado, tenso e preocupado, com medo de pegar no sono e ser roubado. Já no ônibus em que passara antes 23 horas, havia dormido mal. Ainda que exausto e estressado, o máximo que me permitia eram pequenos intervalos de descanso. Mas, sempre que abria os meus olhos, encontrava os de um índio sentado à minha frente fixados insistentes em mim.
Ao longo de todo o trajeto, surpreendera-me a quantidade de cruzes na beira da estrada de ferro e de cachorros magros nos povoados. Quando o trem chegou a Cotoca, a trinta minutos do destino final, todos começaram a jogar as bagagens pelas janelas, porque em Santa Cruz há uma aduana, onde se paga impostos pelas mercadorias e nesse lugar, não. O vagão se esvaziava. Após 21 horas de viagem, chegamos à estação. Peguei minha mochila e deixei enfim o Trem da Morte. Eram 14h30min de mais um dia aventureiro.
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